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Entrevista
Entrevista

Esta entrevista, também retirada do trabalho da Catia, foi feita à D. Etelvina, sua avó. Achei-a muito interessante, não só nos fala dos hábitos alimentares como também dá-nos a visão da dificuldade que era viver nesse tempo.

 

1.      Antigamente qual era o número de refeições diárias?

No Inverno eram 3. Mas no Verão eram 4, porque os dias são mais compridos.

2.      A que horas se faziam as refeições?

Não havia horas específicas para as refeições.

3.      Como se designava cada refeição?

Almoço, jantar, merenda e ceia.

4.      Quais os alimentos que eram consumidos nas respectivas refeições?

Ao almoço, sopa de cebola. Ao jantar, feijões com couves, batatas com carne de porco, batatas com grelos, batatas com torresmos, arroz de feijão. Dependia da estação do ano. À merenda, massa de bacalhau, cebola rachada com sal e pão de milho, ovos mexidos, ovos mexidos doces. (Mexiam-se os ovos e punham-se ao lume. Dispunham-se fatias de broa de milho num prato, com açúcar por cima. Quando os ovos estavam cozinhados punham-se por cima da broa de milho e do açúcar, bem como a gordura onde tinham sido cozinhados. Também se fazia esta receita, substituindo os ovos mexidos por carne gorda frita.) À ceia comia-se, na maior parte das vezes, sopa.

5.      Quais os pratos mais consumidos?

Feijão e batata. Arroz só se comia ao Domingo, se houvesse dinheiro para o comprar. Na falta de batatas, utilizava-se como substituto pimento, cebola e tomate fritos em azeite e temperados de sal, acompanhados de broa de milho. Noutras circunstâncias esta receita era também utilizada como uma espécie de conduto. O café, por exemplo, bebia-se apenas na noite de Natal.

6.      Onde se adquiriam os alimentos?

Nas mercearias. Havia um sistema por senhas, em que cada casa tinha direito a um X de «mercearias» como açúcar, arroz, massa por cada pessoa. Nos campos cultivava-se o trigo, o milho, o centeio, a batata, o feijão e as frutas. A fruta comia-se como fazendo, muitas vezes, parte de uma refeição completa. Maçã com broa de milho podia servir, por exemplo, de almoço ou de outra refeição.

7.      Recorda-se de haver diferenças entre o que comiam as pessoas mais abastadas e as mais pobres?

Sim. Os mais abastados cultivavam mais trigo, mais batatas, etc. e matavam dois porcos em vez de um. Os pobres matavam só um porco. Tinham batatas só até ao meio do ano. Comiam-se carolas (milho partido graúdo feito num refogado, como se fosse arroz. As carolas faziam-se acompanhar com feijão ou sopa. Quando havia carne comiam-se com carne.) Comiam-se também as castanhas (sopa de castanhas, sopa com castanhas cozidas). Bacalhau só se comia no Natal. A sardinha vinha salgada e era um vendedor que percorria as aldeias a vende-la. Os pobres comiam poucos ovos, porque a maior parte era para vender, ou para pagar, por exemplo, das sardinhas. Um ovo valia um X. Comiam-se também papas (papas de farinha de milho com couves).

8.      Quantos pratos haviam por refeição?

Variava consoante as pessoas eram ricas ou pobres. Enquanto os pobres comiam só feijões com couves sem carne, os ricos comiam feijões com couves, mas com carne. Comiam entrada, sopa, etc. Mas também comiam carolas.

9.      Peixe – que tipo se comia, e o que se come hoje?

Sardinha e carapau. Havia uma espécie de peixeiro que vendia estes dois tipos de peixe. Mas entre Outubro e Abril não havia sardinha. Comprava-se em Outubro e salgava-se tal como se fazia com a carne de porco. Depois ia-se utilizando à medida que se precisava, pondo-se de molho antes de se consumir. Comia-se frita com alho azeite e vinagre. Por vezes comia-se trutas albardadas (fritas após serem envolvidas em farinha de milho e ovo batido). Hoje já há uma maior variedade de peixes, porque para além do peixeiro que vem uma vez por semana à aldeia, também há vários supermercados em Castro Daire, onde podemos comprar peixe fresco e conserva-lo no frigorífico ou arca.

10. Sabe de alguma receita menos vulgar, ou então de outras que era costume cozinhar e hoje já não é hábito fazer?

Carolas e papas.

11. Quais eram os alimentos básicos da sua alimentação antigamente? E que tipo de condimentos utilizavam?

Batatas, feijão, arroz. Nos temperos usava-se a salsa, o azeite, o alho, a cebola e o loureiro. Para temperar a carne usava-se e continua a usar-se como tempero uma massa feita de colorau, banha, louro e sal.

12. Que aproveitamento se fazia de alguns alimentos: Sangue dos animais, outros, tudo era aproveitado ou não?

Leite de vaca servia para fazer leite preso, do qual se retiravam as natas para se fazer a manteiga para se vender. Fazia-se também manteiga cozida (manteiga misturada com água, que se levava ao lume, pondo-se em potes nos quais se deixava a arrefecer. Fria ficava com uma consistência semelhante à banha. Desta forma conservava durante mais tempo.) Quando o leite era de uma vaca que tinha parido há pouco, o leite aproveitava-se para fazer crochos e filhós. Com o leite de cabra faziam-se os queijos. O sangue dos porcos utilizava-se para fazer chouriço e sarrabulho.

13. Onde se cozinhavam os alimentos?

No forno a lenha era só em dias de festa. Normalmente era à lareira, nas panelas de ferro ao lume e nas caçoilas de barro, onde fazia o arroz.

14. Que tipo de doces se comiam?

Aletria e sopa seca (pão de trigo, açúcar, canela, leite e raspa ou casca de um limão. Punha-se tudo numa panela que ía ao lume, mexendo-se muito bem. Retirava-se do lume e servia-se num prato). Nas casas ricas comia-se também leite-creme, arroz doce e farófias ou espumas.

       Que bebidas acompanhavam as refeições?

Vinho caseiro e água.

15.  Na sua opinião considera que, ao longo dos anos, se perderam alguns pratos tradicionais? Quais?

Sim. As carolas e as papas de milho, por exemplo, desapareceram.

16.  Houve alguma época específica da sua vida em que os seus hábitos alimentares tenham sofrido alterações por força de factores históricos, económicos, sociais, políticos ou outros? De que forma?

Quando acabou a guerra mundial, houve muita falta de mercearias, por isso havia as senhas para arroz, açúcar, etc. Isto é, havia um X de cada um desses alimentos por cada pessoa.

Outra mudança importante foi a chegada da electricidade que levou a que aparecessem os frigoríficos, para conservar alimentos frescos que se estragam com mais facilidade como o peixe e a carne.

17. De que forma a alimentação variava em momentos rituais como casamentos e baptizados?

Nos casamentos em vez de prendas, davam-se alimentos como açúcar, aletria, pão, arroz, massa, enchidos, etc. para se fazer o almoço. Nos baptizados era igual.

18. Em que termos variava a alimentação em dias festivos?

No Carnaval: Comia-se orelheira de porco salgada, salpicão da língua, chouriça, e mais recentemente frango.

No Santo Comilão (6 de Janeiro): Percorrem-se as ruas da aldeia a cantar as Janeiras, parando em cada casa. As pessoas dão salpicão, vinho, pão, chouriças, ovos, etc. No fim da ronda, juntam-se todos a fazem uma patuscada.

No S. Silvestre (30 de Dezembro): Percorrem-se as ruas da aldeia a cantar à desgarrada e a dar vivas às pessoas. Estas retribuem com frutos secos, como nozes, figos, pinhões, bagaço com mel e vinho.

Na Páscoa: ao almoço come-se borrego ou cabrito assado no forno com batatas e arroz de forno. Hoje em dia fazem-se muitos bolos, mas antigamente os ricos comiam bolo podre e os mais pobres faziam umas fogaças, numa caçoila, a partir da massa do trigo (pão de ovos). Punha-se açúcar e canela e ia ao forno. Hoje em dia na Páscoa fazem-se o bolo podre e o pão de ovos. Bolo podre leva farinha de trigo, fermento de padeiro, ovos, açúcar, azeite, banha, canela, raspa de laranja. Antigamente só os ricos comiam bolo podre. Os pobres faziam as fogaças e o pão de ovos (que os ricos também comiam).

No Natal: Na véspera de Natal comem-se couves parecidas com roupa velha (Bacalhau é cozido. Depois põe-se ao lume numa panela de ferro, juntamente com couve tronchuda, pedaços de pão de trigo, azeite e alho. Mistura-se tudo muito bem misturado) Fazem-se também as fritas chilas e as fritas fintas (fintas porque levam fermento e a massa tem que descansar). No dia de Natal antigamente comiam-se fritas, sopa de couves e as couves da véspera, se sobrassem.

Dia de Nossa Senhora da Visitação (Festa da Aldeia): Canja, cozido à portuguesa. Cabrito ou borrego assados no forno com batatas e arroz de forno.

No 1ºdia de Maio: Era obrigatório comer castanhas piladas, senão diziam que se levava o burro às costas o ano inteiro. (no fundo pretendia-se incentivar o povo a consumir os excedentes de alimentos característicos do Inverno, porque a fartura não era muita. Forma de escoar alimentos e de os rentabilizar fora da sua época.)

20. Quais as maiores diferenças que encontra, entre a alimentação que fazia no passado e a que faz agora no dia a dia?

Hoje em dia há uma maior variedade de alimentos que chegam até nós. Come-se também mais carne e peixe, alimentos que antigamente eram raros numa refeição do dia a dia.

Antigamente havia mais miséria e fome. Chegava-se a ter que se dividir uma sardinha por duas e três pessoas, numa refeição. Uma comia o rabo, outra o meio da sardinha, e a outra a cabeça. Hoje em dia há mais fartura.

Havia também alimentos que se usavam como medicamento

Manteiga, por exemplo, guardava-se cozida para utilizar com remédio. Para curar uma dor de barriga usava-se, por exemplo, para se fazer uma água, onde se usava a manteiga cozida, água e mel, que ia ao lume. Esta mezinha utilizava-se também para a convalescença de mulheres que tinham acabado de dar à luz.

Em doenças de animais: Por exemplo quando tinham névoa nos olhos, punha-se vinho na boca e soprava-se o vinho aquecido na boca para a vista dos animais, para os curar.